quinta-feira, 3 de maio de 2012

ATOS DOS APÓSTOLOS - INTRODUÇÃO - A questão geográfica

ATOS DOS APÓSTOLOS | De Jerusalém a Roma
É necessário observar, também, os limites geográficos do livro porque eles nos mostram que há um rumo literário e teológico na sua estrutura. O livro começa com o cristianismo em Jerusalém (1.12), ainda como um movimento judaico (em 24.5, já no final da obra, o cristianismo ainda é chamado de “seita dos nazarenos”). Os próprios seguidores de Jesus se viam como uma seita judaica e se intitulavam “os do Caminho” (9.2 e 22.4). Só a partir de Antioquia, em Atos 11.26, é que os seguidores de Jesus foram chamados “cristãos”. Em Atos 15 é que sucede a ruptura teológica com o judaísmo, com a igreja definindo claramente o que ela assumiria do Antigo Testamento. Ela e o judaísmo se separam ali.

O livro começa em Jerusalém e termina em Roma (28.14-31). Geograficamente, este é o roteiro: de Jerusalém a Roma. Lucas mostra como o cristianismo, saindo da obscura Jerusalém, chegou à capital do mundo da época. Em 27.24, Paulo diz ter recebido a visita de um anjo que lhe disse que era necessário que ele comparecesse diante de César, obviamente em Roma. A cidade estava prevista como ponto de chegada do livro.

A estrutura geográfica não é o fundamental, mas é um dado a mais para nos ajudar a compreender melhor a obra. Ela nos ajuda a ver que Atos é um livro de testemunho da fé em Jesus. Partindo de Atos 1.8, que é uma variação da Grande Comissão (Mt 28.18-20) e do Ide (Mc 16.15), o livro mostra a difusão do nome de Jesus em Jerusalém, Judéia e Samaria e “até os confins da terra”. Esta expressão, no seu contexto da época, significa Roma e o império romano.
A estrutura geográfica segue, então, nestes termos:

– Testemunho em Jerusalém – capítulo 1 a 7;
– Testemunho da Judéia e Samária – capítulo 8 a 12;
– Testemunho até os confins da terra (Roma) – capítulo 13 a 28.

Com estas considerações, podemos entender melhor uma observação de Keener, que nos ajudará na compreensão do objetivo do livro. Eis o seu comentário:

“Todo o Livro de Lucas é estruturado ao redor da evangelização mundial (1.8), com seis ou oito depoimentos sumários através do livro mostrando a dispersão do evangelho (ver 6.7; 9.31; 12.24; 16.5; 19.20; 28.31). Para Lucas, o objetivo último é a comunicação transcultural e a evangelização mundial, e o poder requerido para realizar a tarefa é somente o Espírito Santo” .

Isto explica por que Atos termina de forma abrupta, diferente do Evangelho, que termina de modo mais tranqüilo. Cogita-se se Lucas teria em mente um terceiro volume ou se Atos foi preparado apenas para a defesa de Paulo em Roma. Não se tem notícia de um terceiro volume nem mesmo de alguma tentativa de Lucas de empreendê-lo. E presumir que o livro tenha sido preparado apenas para servir de defesa de Paulo se choca com todo o seu conteúdo, com o prefácio de Lucas, e a conexão do livro com o terceiro Evangelho.

O livro termina onde tem de terminar, em Roma. O evangelho chegou a Roma. De lá, ganhará o mundo. Stagg compreendeu este objetivo de Lucas, ao comentar que o livro termina sem dar qualquer informação sobre o resultado do julgamento de Paulo, deixando a obra em suspenso. Ele afirma que:

“Encerrando a história sem nos relatar o dito resultado, Lucas fez exatamente aquilo que costumava fazer através de todo o livro, ao tratar de muitas outras personalidades. Ele estava bem mais interessado nos sucessos e avanços do Cristianismo do que em pessoas” .

Para Stagg, o livro foi escrito para mostrar o avanço inicial do cristianismo. Para outros, o livro não foi terminado porque a história da igreja ainda está sendo escrita em nosso tempo. Mas, é pouco provável que Lucas quisesse instruir Teófilo, dizendo-lhe que a pregação do evangelho ainda duraria milênios. Esta posição é projetar idéias no propósito literário do escritor. E parece que muitos estudiosos, hoje, sabem melhor que o autor bíblico o que ele queria dizer. A questão é: o que Lucas teria interesse em relatar a Teófilo, instruindo-o na fé? Esta pergunta deve estar em nossa mente quando nos propomos a discutir o propósito do autor, bem como o rumo tomado em seu escrito. O destinatário primeiro do livro foi Teófilo, não a igreja do século 21.

Mas de qualquer maneira, os dois limites geográficos aí estão, e são bem perceptíveis: de Jerusalém a Roma. Do seu nascedouro ao centro do mundo. O término, se nos parece abrupto, é, também, impactante. A inexpressiva seita chegou à capital do mundo. Anos mais tarde, ao escrever a carta aos filipenses, Paulo dirá: “Todos os santos vos saúdam, especialmente os que são da casa de César” (Fp 4.22). Já havia cristãos no palácio do imperador. O cristianismo chegara, definitivamente, a Roma, e começara a tomar o império de dentro do palácio. “Ser-me-eis testemunhas” (At 1.8) é o coração do livro de Atos. E o testemunho aconteceu.(Continua) 

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