segunda-feira, 30 de abril de 2012

ATOS DOS APÓSTOLOS - De Jerusalém a Roma

ATOS DOS APÓSTOLOS | De Jerusalém a Roma
INTRODUÇÃO - A questão do autor
O autor começa dizendo “fiz o primeiro tratado, ó Teófilo” (1.1). Com esta frase, somos remetidos ao Evangelho de Lucas 1.3, onde o evangelista dedica sua obra a um “excelentíssimo Teófilo”. O adjetivo indica alguma autoridade romana, presumivelmente um militar. A nota de rodapé da King James comenta que Teófilo (“querido por Deus” ou “que ama a Deus”, em grego e latim) “foi um militar de alta patente do exército romano que, convertido ao Senhor, patrocinou a pesquisa e publicação deste relatório fiel sobre a vida e a obra de Jesus” . Assim, é possível deduzir que o autor de Atos é o mesmo autor do Evangelho de Lucas, embora em momento algum ele decline seu nome em qualquer uma das duas obras.

Eusébio, autor de “História Eclesiástica”, obra datada por volta do ano 235 de nossa era, atribui a Lucas a autoria do Evangelho que leva seu nome e do livro de Atos. Mas já ao redor do ano 200, Tertuliano, um dos líderes da igreja, havia mencionado a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos e a oração de Pedro no eirado (At 10.9) como constantes no comentário de Lucas (que se entende ser o livro de Atos). Mas a informação mais antiga a favor da autoria de Lucas para o terceiro Evangelho e Atos vem do “Cânon Muratoriano” ou “Cânon Muratório”, uma obra datada em cerca de 170 de nossa era, que declara, especificamente, que Lucas escreveu os dois livros. Parece que a igreja primitiva não nutriu dúvida de que Lucas fosse o autor do terceiro Evangelho e do livro de Atos.

Além disto, temos a questão do estilo literário. Segundo Oscar Cullmann, considerando os dois livros, “o vocabulário, a linguagem, o estilo e as idéias teológicas são os mesmos” . A obra é de Lucas e o plano de trabalho é o mesmo. Há, claramente, uma seqüência entre os dois. O que Jesus disse que a igreja deveria fazer (Mt 28.19), ela faz neste livro.

Em Colossenses 4.14, lemos que Lucas estava com Paulo, que o chama de “médico amado”. Lucas mostra interesse e conhecimento das doenças (Lc 4.38; 8.43-44; At 3.7; 12.23; 13.11; 20.7-11 e 28.3-8). Podemos, então, compreender que há um relacionamento entre Paulo que, como modelador das igrejas tinha muitas informações, e Lucas. Este acompanhou o apóstolo em alguns momentos, como o texto bíblico deixa claro. E Fabris, em uma obra sobre Paulo, faz esta observação bem pertinente:

“A comparação entre o que Paulo diz e o relato lucano nos Atos pode ser feita numa sinopse em que a ordem de sucessão dos fatos referidos por um se enquadra com a ordem de sucessão dos fatos apresentada pelo outro” .

Fabris reconhece divergências, mas elas parecem ser mais de interpretação pessoal feita pelos dois (Paulo e Lucas) do que diferença de substância dos eventos. Isto vem corroborar a idéia de que Paulo estava entre as fontes de que Lucas se valeu para compor, se não o Evangelho, pelo menos o livro de Atos.

Uma questão deve ser levantada sobre o título do livro, “Atos dos Apóstolos”. Quais apóstolos, exatamente? O livro não narra as atividades de todos eles. Não é um relato das atividades dos doze. Pedro, o apóstolo mais falante e que parecia ser o líder, desaparece de cena depois do capítulo 15. Tiago, irmão de João, tem a morte anunciada em Atos 12, e nada mais é dito sobre ele. Tiago, que era o pastor da igreja de Jerusalém, faz uma proposta em Atos 15.13-21, e depois também desaparece. Paulo surge como Saulo, em 7.58, ocupa a maior parte do espaço, mas fica claro que o livro não é uma biografia sua.

Na realidade, o personagem principal é o Espírito Santo. Vejam-se as passagens de 2.4, 5.9, 5.32, 7.55, 8.15 e 39, entre muitas outras. Por isso, um título melhor para o livro é Atos do Espírito Santo. Cullmann diz que o livro de Atos mostra “a ação poderosa do Espírito Santo na primeira comunidade cristã, e por ela, no mundo em redor” . O Espírito age na igreja e, por meio dela, age no mundo. Ele é a figura principal do livro, dando testemunho de Jesus e impulsionando a obra missionária pelo mundo.

Pierson escreveu uma excelente obra sobre o livro de Atos em que emprega como eixo hermenêutico (o fio condutor para se entender o sentido do livro) a promessa de Jesus de enviar o Espírito Santo. Ele liga esta promessa à descida do Espírito, em Atos 2 e, a partir daqui, interpreta todo o livro pela ação do Espírito. A obra tem onze capítulos, contando a conclusão, e em todos eles o Espírito é o tema central e o sujeito do título. Ele começa seu livro com o discurso de Jesus sobre a vinda do Consolador, e delineia sua linha de interpretação, dizendo que “o curioso e significativo é que aquilo que encontramos no evangelho, em forma de preceitos ou ensinos, reaparece em Atos na forma de prática ou exemplo” .

Em outras palavras, no Evangelho, temos o ensino e os conceitos exarados por Jesus sobre o Espírito, prometendo sua vinda. Em Atos, temos o relato da sua vinda e a descrição de seu ministério e seus atos. Por isso, ele defende a idéia de que o melhor título do livro é “Atos do Espírito Santo”. Uma melhor conexão entre os evangelhos e Atos pode ser exposta assim: Mateus é o Evangelho do Rei, Marcos é o Evangelho do Servo, Lucas é o Evangelho do Filho do Homem, João é o Evangelho do Filho de Deus e Atos é o Evangelho do Espírito Santo, embora não narre a vida de Jesus. Mas, curiosamente, em Atos há pouquíssimas referências aos Evangelhos. Há apenas uma citação textual que Jesus fez, durante sua vida na terra: “Coisa mais bem-aventurada é dar do que receber” (At 20.35).
(Continua)

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